terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Falando nisso...

Falo. De tudo o que a medula da vida me traz, a coisa mais insipiente é o falar.
Falo novamente.
Minha avó diz: -Sempre fale na hora certa, menino! -Quem muito fala dá bom dia a cavalo! Bom, então vivo pelo alvorecer rendendo saldosos cortejos a todo equino que trota pelas vias.
Por isso, acabo em acreditar que é coisa de família toda esta falácia. Pois o meu pai sempre diz a minha mãe: -A mim, nesta casa, pertence a fala e o falo! Ingênuo, penso: ele está a falar duplicadamente. Isso de falar acaba causando, em certas ocasiões, provações espontâneas.
Por mais, falo, ou melhor, tento. Tento falar pra fora, mas, por mais que arrisco, não consigo. No fim, não sei, talvez seja o efeito volátil da vida, acabo pondo tudo além, instintivamente. Porque tudo o que falo, propriamente dito, se transporta pra dentro. E como só consigo dizer coisas inexplicáveis, ininteligíveis, ruidosas demais e desconexas, meu âmago interior e minha língua acabam a botar tudo pra fora, num espontâneo vômito de falas.
Há muito, dizem-me que não falo, só grito. Mas em que consiste o grito? Apenas num sopro mais elevado da garganta. E como tudo na vida necessita de um grito pra existir, eu também, como ser andejante, possuo força bruta e dou meu grito.
E no entrelaçar de falas em que consiste o mundo, não consigo parar de falar. Construo longos monólogos comigo mesmo. Procuro falar o necessário, por mais doloroso que isso me pareça.
Não sou como determinadas pessoas que, ancoradas em alguma esquina errante, ficam a mercê de certos ditos. Não sou de dito. Ditos, pra mim, são coisas ultrapassadas. E, na medida do possível, busco viver coisas novas e presentes. Porque todo mundo sabe que o presente é uma coisa que está presente, e não há como substituí-lo. Nem mesmo com ditos.
Oh, acabo por me dar conta que quanto mais falo, mais a minha garganta seca. As veias, trêmulas, se racham num danado frenesi . Penso em querer tirar proveito desse parlatório todo, mas não posso. Pois falar é um prazer, e prazer não pode ser tirado proveito, por mais que gostemos. Prazer é prazer. Ademais, ensaio em parar de falar, ou melhor, não a fala que sai como um assopro da boca.
E por falar, de onde vem a fala? Não sei. Procuro até hoje.
Dizem que é coisa da glote, mas a glote é algo que tapa e não que libera. Outros já disseram que a fala é coisa da alma auxiliada pelo espírito. Então, chego a conclusão de que: a minha alma é uma vitrola velha, e meu espírito um gramofone, e, ajustados, seguem a tocar os "LPs" que a vida põe.
E por fim, pra terminar esta conversa agradabilíssima que estou travando com tu, mesmo não ouvindo se quer a tua fala, dizem-me que os outros falam muitas coisas. Principalmente a meu respeito. Oras, mas o que tendem a falar de mim? Nada. Absolutamente, nada! Não sou interessante e nem sequer possuo papo.
Apenas estou aqui, como um louva-deus a engalfinhar os meus dedos nas teclas do falar.

2 comentários:

  1. Tendo sido boa a nossa conversa, te deixo também um saudoso cortejo e dou um gole em sua homenagem!

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  2. Sim, tivemos uma agradabilíssima conversa aqui, mesmo sem ter minhas palavras escutadas por ti.
    Parabéns, eu achei incrível.

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