terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Um Suicídio Voluntário

Pois bem, já fiz tudo o que havia de ser feito. Casa limpa, roupas no varal, porcos com a barriga cheia. Agora, acredito, posso morrer em paz. Tomei decisão. Muito bem tomada, por sinal. Uma atitude insólita, para um ser insólito. Em curtas palavras, me explicarei.
Certa vez, uma pródiga senhorinha discorreu: “- Quero um suicida que se explique!”. Então, após infindável objeção, creio que a danada encontrou tal retardatário. Aqui estou a explicar-me.

Deram-me uma vida e, consequentemente, faço dela o que bem quero. Já sei, já sei! Vejo sinuosas pontas de osso a expirarem discrepantes acusações em direção a meu faro. Só que, sendo a vida minha, as crenças, e tudo mais a que ela pertence também hão de ser minhas.
Cansei-me de viver. Fantasiando sempre, nunca tive um momento de felicidade propriamente dita. Salvo raras as vezes que sobrevieram mascaradas, e me fizeram acreditar que o era. Posso até afirmar, com intrujadas palavras, que obtive em meu paladar um gostinho suave, suave de felicidade. Mas nada de se encher os olhos, ou melhor, a boca.
Família, que se foi gradualmente. Primeiro os pais, e em seguida irmãos. Vi todos passarem por entre o beco estreito de uma ampulheta, feito grãos de areia que escorrem pela resvalada vidraça da vida.
Amigos? Os que me “consideram” fingem ser agradáveis, mas no fundo no fundo, são esnobes em potencial. Lixam-se pra mim. A única amizade sincera e gentil da qual deixo com o coração em trapos é a dos porcos. Os porcos não possuem um mínimo de vergonha, e nem escondem toda a sujeirada que carregam sobre o couro. Demonstram-na sem pudor.
Amor? Amor de amar, de casar, namorar, juntar? Vichi! Esse, larguei de mão há tempos! E deve ser uma das coisas mais insalubres que me fazem, neste momento, estripar a vida. De desgosto por desgosto, prefiro permanecer no contragosto. O contragosto é um sentimento de nunca ter experimento nada, nem mesmo o amor.
Na verdade, pensando muito bem, nem sei o porquê de está a escrever isto. Talvez seja por consideração a senhorinha, por achar que fazendo esta nobre reminiscência, posso excretar tamanha dúvida e desespero que a faz sair por aí feito um grilo da noite a gritar pros quatro ventos: “- Quero saber se morreu de amor, de decepção ou xilique.”.
Bem, no meu caso, analisando a situação, concluo que seja de duas causas.
Amor, que só conheci através dos porcos, mas, mesmo assim, não estava acompanhado de uma sinopse. E fique já esclarecido que não mais este impertinente vocábulo deslizará sobre esta carta. Amor? Te dana!
Decepção, por tudo aquilo que não provei, ou seja, aquilo que não me deram oportunidade – e não me deram mesmo, pois fiz de tudo pra provar. Sempre me sentindo feito uma criança com as babas a escorrer por entre os lábios, os dentes, frenéticos, com um viço para morder seja lá o quê. Por isso, só apreciei o contragosto, e só.
Xilique, dizem que é algo parecido ou idêntico ao faniquito. Eu nunca tive essas frescuras. Se pensas que morro por xilique, estás a se enganar, pois a estabilidade desta terra me proporcionou uma vida bucólica e sem interferência do homem, fazendo-me uma espécie de árvore. Não dependo de nenhum ser que carregue sobre o corpo, carne. Só morre de xilique quem depende de outro homem pra suprimir necessidades. Os homens são como covas cavadas para serem, num determinado momento, jazigos de outros homens. Acabo por crer que o mundo é um cemitério vivo. Todo mundo carrega em si um defunto, um cadáver, mesmo que não perceba toda a putrefação que, aos poucos, nos remetem à condição humana.
E nesta confusão a qual me encontro, um misto de sentimentos reprimidos, ainda resta-me decidir como me matarei. Não encontro outra alternativa a não ser o envenenamento. Uma morte lenta e gradual, assim mesmo como vim ao mundo. Lentamente, foi desenvolvendo-me no leito do ventre de minha mãe, e, ao tardar de um dia, fui espirrado no mundo, sem mais nem menos. Nem se quer me deram satisfação por tal fato!

Por fim, deixo aqui as minhas considerações a respeito desta carta de destituição. Carta de uma vida que nunca mais será a mesma, ou melhor, nunca mais regressará ao voluntário matadouro de homens.

Nenhum comentário:

Postar um comentário