quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A vingança plena


Ah, o melhor jeito de se vingar: esquecendo! O difícil é começar o processo... Mas creio que é só permitir que o fator tempo se multiplique por dezenas de milhares de vezes para isso, efetivamente, acontecer. E o esquecimento, ou melhor, a vingança seja plena! Mas, por outro lado, eu não posso esquecer lembrando-me, a todo instante, que tenho de esquecer. Isso não é esquecimento. Por isso digo que o processo é lerdo e inseguro. Porque o esquecimento é involuntário, assim mesmo como a memória (seletiva), com suas instabilidades e frequencias. Só digo que estou flexível a todo e qualquer tipo de esquecimento, pois, até eu mesmo, estou fadado a seus caprichos.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Um tratado da razão

Muito bem, isto aqui anda um pouco (ou muito) jogado às traças – e espero que seja àquelas traças que, realmente, devoram letras. Gostaria de dar um novo formato a este blog, já que o tema aqui proposto é letras e, por conseguinte, literatura. Apesar de andar bastante emaranhado por tarefas cotidianas, eu nunca abandono meus livros e as leituras, ambos têm sempre uma presença marcante em minha vida, mesmo que eu viva sob todas as pressões e imprevisões do dia-a-dia. Aproveitando o momento, irei aqui postar, aos poucos, na medida em que minhas leituras forem chegando ao fim, uma pequena consideração ou, digamos, “resumo” da obra. Ah, e, também, o que é muito importante, pequenos fragmentos de frases interessantes encontradas ao longo da leitura.

E como ao destino agrada as surpresas e malícias, começarei com um livro que se tornou um verdadeiro “tratado da razão” em minha vida. Um livro de Jean Paul Sartre, “A Idade da Razão”.



O que tenho a dizer sobre esta leitura é muito pouco, pois corro o mortal risco de reduzi-la a um meio número de palavras fortuitamente insignificantes. Falarei apenas do êxtase que me causou. Sem exageros, mas pode ser, realmente, considerada um abalo sísmico que me ocorreu nos pensamentos... e tudo o mais que caiba dentro deste órgão gelatinoso (?) e lamacento que carrego na cabeça. Ao longo da leitura, ia sendo atingido por pedradas (ou o termo que melhor aqui se encaixa não seria “letradas”?). E ao final, o que me fez pensar, e a única coisa que consegui carregar deste livro, verdadeiramente, seu título. Será que estou na “Idade da Razão”? Os fatos e acontecimentos narrados por Sartre muito se assimilam com os que passo no cotidiano em que vivo. As amizades, traições, a liberdade de ser o que se quer, e suas possibilidades. Aprendi, dentre muitas coisas, que a liberdade é uma possibilidade. Não sei se aqui estou a fazer uma explicação “errônea” de Sartre e sua filosofia existencialista, sinceramente, não sei. Só sei que este livro foi muito bem aceito por mim. Salvo uns poucos diálogos confusos (talvez seja por eu ter lido, principalmente, à noite, antes ou na hora do sono). Sei que, em muito tempo, não encerrava uma leitura com tantas perguntas, dúvidas e interpelações, principalmente acerca do “destino” dos personagens. Porque penso que os personagens, seja de qual livro for, são pessoas de carne e osso, cabeça, tronco e membro, assim mesmo como somos. E mesmo o autor alcunhando um ponto final na última parte da última página do livro, a história continua e os personagens seguem suas vidas. E isso se acentuou muito neste livro. Acredito que todo mundo possui sua “idade da razão”, e ela vem de maneira distinta, com variadas máscaras e disfarces, nos pegando de surdina. E, de repente, quando menos esperamos, nos transporta para o labirinto das decisões.



"Essas pobres meninas são muito tolas. Basta olhar para o senhor para perceber que é o tipo do sujeito capaz de fazer uma burrada, de derrubar copos ou quebrar espelhos. E no entanto elas confiam a gente como o senhor, o que têm de mais precioso. Afinal, recebem o que merecem."

"Boris não poderia amar uma mocinha de sua idade. Se ambos são jovens, não sabem como se conduzir, hesitam, tem-se a impressão
de brincar de marido e mulher. Com as pessoas maduras, não. Elas dirigem e seu amor é consciente."

"Amizade não suporta crítica (...) Ela é feita de confiança."

""Os garotos", pensou, são vorazes, todos os sentidos deles parecem bocas."

"Ela colhia as homenagens como se fossem ofensas, era como se fizessem dela uma imagem talhada a machado, grosseira e fascinante, e que ela tivesse receio de topar. Somente ela mesma podia pensar certo a respeito de si própria. E pensava sem palavras, era uma certa terna, uma carícia."

"- Eu a acho simpática.
- Naturalmente. É a sua moral. Você quer sempre ser perfeito. Basta que alguém o deteste para que você se esforce por lhe descobrir qualidades."

"Quando a gente se levanta de manhã com enjôo e sabe que tem pela frente quinze horas por matar antes de tornar a dietar-se, que adianta ser livre? "Não ajuda a viver, a liberdade.""

"Nada faziam de mal, era quase uma brincadeira, mas a cumplicidade criava entre ambos um laço leve e encantador. E depois Marcelle não achava desagradável ter um pouco de vida pessoal, algo que lhe pertencesse de fato e que não fosse obrigada a repartir."

"Quando a gente não é casada, uma gravidez é tão sórdida quanto uma blenorragia. Estou com uma doença venérea, eis o que devo dizer-me."

"(...) não ter princípios é ainda um princípio..."

"Um aborto não é um infanticídio, é um assassínio metafísico."

"É preciso ter a coragem de fazer como todo mundo para não ser como ninguém."

"Ah! A família é como a varíola, a gente tem quando criança e fica marcada pelo resto da vida."

"(...) penso como você que não se é homem enquanto não se encontra alguma coisa pela qual se está disposto a morrer."

"A paz. A paz da boa gente, da gente honesta, da gente de bem, dos homens de boa vontade. Por que será a vontade deles a boa, e não a minha?"

"Quanto à liberdade, não era recomendável analisá-la demasiado, porque a gente deixava então de ser livre."