quarta-feira, 29 de junho de 2011

Eu sou aquilo que ainda está por vir

Perguntaram-me: até onde vai o seu amor por mim?

Prontamente, respondi: sinceramente, não sei. Amor não é município, não tem limite; e não sabe onde começa e nem termina. Meu amor é igual a mim. Eu sou aquilo que não tem nome e aquilo que nunca permanece o mesmo. Meu amor tanto pode começar aqui e terminar na próxima esquina, quanto findar num múltiplo e espectral giro ao redor do firmamento.

domingo, 19 de junho de 2011

Esperança, inspiração

De Manhã, acreditamos que, formalmente, é mais um dia que se amanhece.

Neste dia que vos conto, foi mais um desses, mas, para além de minhas esquálidas intenções (porque não possuía (quase) nenhuma até então), aconteceria algo que iria mudar, definitivamente, o rumo do meu dia.

A bússola matinal apontava para algum lugar onde a neblina da manhã de junho não me permitia enxergar. Andei tateando com as pontas do sapato os filetes de pedra que adornam esta mais que infundada rua, onde pombos e urubus, juntos, no mais alto grau do espírito fraterno, disputam restos rejeitados pela ânsia do despejo humano.

Olho diretamente ao chão, coisa que não costumo fazer com freqüência. Na rampa de acesso à minha garagem vejo um inseto, uma coisa seca. Não estava propriamente seca, mas era a sua cor que representava algo seco, sem vida. Agachando mais a fundo, pude notar que era o que, vulgarmente, se conhece por esperança. Uma daquelas já havia passado lá pela minha casa. Muitas vezes. Era bem típica de minhas inquietações. Sempre encenava seus mais deleitosos cânticos por debaixo da minha janela.

Por um momento, parei e pensei. Mas, esperança seca? É, isso mesmo, SECA! A minha, por exemplo, é. E por mais de um instante de luz, senti uma tremenda admiração por aquela criatura. Era a minha esperança posta, bem ali, no chão, há alguns centímetros da minha própria existência. Oh, esperança! Por instantes foste minha!

Longe desta funesta realidade que nos toca, nos forçam a acreditar que, na grande maioria das vezes, a esperança é verde. Verde, madura, cheirando à clorofila. Mas não esqueçamos, jovens viventes deste planeta, que a esperança de muitos é seca!! É farta, da cor de cansaço, intermitente e dissecada. Não me iluda com essas histórias, a esperança que guardei em mim, e que encontrei materializada no chão da minha garagem, através daquele descorado inseto, é SECA. É a minha esperança!

A esperança que, até então, conheci, era bicho de bons presságios, e toda vez que pintava em algum cômodo lá de casa, todos travavam uma tresloucada corrida ao encontro do bicho. Interpelávamos aos nossos anjos da guarda para que nos trouxessem coisas boas, boas coisas, boas novas...

Mas nesta manhã não vi coisas boas, só vi a minha esperança ser esmagada feito algo podre, algo que já estava perecido há milênios, e só faltava chegar uma lancha para friccioná-la feito cera ao chão. Foi o que ocorreu à minha esperança. Mas fui avisado antes, a entomologia já me vinha colocando essas coisas na cabeça. Uma esperança dura, nó máximo, três míseros meses, e isso, se for no verão. E como era junho, sobreviveu apenas umas poucas horas.

Quando regressei à minha casa, no desbotar do dia, ela estava lá. Ainda estava lá, só em corpo, só em carcaça. Mas o seu espírito, talvez, já estava pairando no firmamento, assim como eu também estou. Pois, é esperança...

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Acontece



Bateram à minha porta em 6 de agosto,
aí não havia ninguém
e ninguém entrou, sentou-se numa cadeira
e transcorreu comigo, ninguém.

Nunca me esquecerei daquela ausência
que entrava como Pedro por sua causa
e me satisfazia com o não ser,
com um vazio aberto a tudo.

Ninguém me interrogou sem dizer nada
e contestei sem ver e sem falar.

Que entrevista espaçosa e especial!


(Pablo Neruda - Últimos Poemas)

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Ser perdigueiro



Hoje resolvi tirar a vergonha de campo e me assumir. Nada relacionado a orientação sexual ou coisa do gênero, mas sim me declarar como um homem perdigueiro. Não sei muito bem o motivo pelo qual o consenso comum decidiu apelidar pessoas como eu com esse nome. E nem me dei ao trabalho de ir consultar um dicionário etimológico para saber quais combinações significativas tal palavra contém. Só chego à conclusão de que posso sim me parecer com um cachorro.
Certa vez, me disseram que sou muito de aceitar as coisas numa boa e, na grande maioria das vezes, abaixar a cabeça para o que as pessoas dizem. Pois sim, claro! Sou desse tipo mesmo! Mas, como em tudo há um porém, esta minha característica também está provida dessa inquieta conjunção. Sou de aceitar as coisas sim, mas sempre com a pulga atrás das orelhas; sempre resiste dentro de mim, mesmo que esfarrapada e ultrajada, uma ponta de desconfiança, uma ponta não, uma rica extensão de desconfiança! A minha fé e crença nas pessoas é muito casta para ser posta em evidência desse jeito, por isso tem de vir sempre disfarçada. Se caso ela vier, assim, à tona de uma maneira explosiva e drástica, pode correr o risco de se perder e se tornar supérflua, ser corrompida como a grande maioria dos sentimentos humanos já corrompidos. A minha confiança é incorruptível. Só se corrompe por minhas próprias dúvidas, e, mesmo assim, antes de passar por uma árdua e dura fiscalização, esmiuçando em detalhes os fatos de toda a situação.
Ser perdigueiro é ser cachorro. Cachorro perdigueiro, do qual possui um olfato invejável por qualquer outra raça canina; possui a cabeça inclinada que, mesmo nas horas de choro e desapontamento, se mantêm em posição ereta! A docilidade, o medo de ferir o outro é eterno, pois contamos, além de um sentimentalismo CARO, uma inteligência insubestimável. Pêlos que nos protegem de qualquer dito: “vou ali e já volto”, ou “não estou bem hoje, não serei boa companhia”. Isso nos faz com que a nossa couraça não se resfrie por qualquer desculpinha tosca, queremos nossos (as) companheiros (as) ao nosso lado a qualquer custo, lealdade sempre, lealdade por quem nos escolheu e comprou em meio a uma gralha de cães choramingando por um dono; o olhar perdigueiro não confunde e nem estranha, é reconhecido como o bem querer, doces amêndoas prontas para serem devoradas por uma avalanche de solidão. A sutileza de nossos gestos e atos nos dá um tom de leveza que espanta a qualquer perito. O crime não nos atordoa. Vivemos em conflito com as certezas e as desesperanças, sempre procurando conciliá-las, fazendo que se tornem boas amigas, quem sabe? Somo protetores, super! Possuímos dentes, dentes que são capazes de mastigar até o invisível. E a única coisa que nos faz rolar e fingir de mortos são os aparelhos telefônicos; seja por mensagem de texto, voz, uma simples ou complexa ligação, jamais largamos o osso! A nossa mente é cela. É corrente. É relicário que guarda com extrema cautela a imagem do outro, a imagem de quem jamais será depreciado, a não ser por alguma desventura (vulgo ciúme). E já que o termo ciúme rolou por estas linhas, não poderia deixar de esquecê-lo. É ciúme sim, sentimos ciúmes! Muitos e muitos ciúmeS! Não nos envergonhamos de querer, querer e querer é assim que se resume nossa possessividade. Pior que querer é não querer. E queremos mesmo! Com muito desregramento e sem pudor. Queremos que chegamos a ter uma convulsão de querer. Em muitos casos queremos, mas não temos, veja a diferença. Ter não se resume em querer. Às vezes temos e não queremos, às vezes queremos e não temos. Então, no meu caso, eu só quero!!! E se eu tiver, vou continuar a querer, sempre! Sempre mais cuidado, mais carinho, mais desconfiança...
Enfim, pareço um espectro dionisíaco demasiadamente embriagado grafando estas linhas, mas eu só posso ser perdigueiro, e me faz um santo bem declarar isso, por mais que muitos achem loucura ou compulsividade. Há uma diferença clara entre um e outro. Mas notemos que, em muitas das vezes, a vida só se salva por um impulso. Por exemplo, o feto, quando sai do ventre, chega ao mundo por impulsos, e vai, até o fim de seus dias, impulsionando aquilo que chamamos de “máquina da vida”.