sábado, 26 de fevereiro de 2011

Conhecendo a "Jequice"

Estudar em uma escola confessional pode ser sinônimo de inúmeros significados. Um deles é a instrução. Instrução essa, muito bem dada por sinal, com direto a iniciação de ritos e vida cristã. Tratando de um outro modo, aqui na escola em que estudo (confessional-católica-espanhola) já se viu de tudo e um pouco mais. Uma das figuras mais “cativantes” e estranhas desse lugar é o nosso diretor, possivelmente um padre que, no auge de sua frustração, foi designado a direcionar uma instituição e, juntamente, uma leva de jovens desvairados (salva raras exceções, e eu não estou nessas). Praticamente tudo é perfeito para esse padre, e quando tudo nos parece perfeito, até mesmo as pessoas que nos giram em volta, é sinal de que estamos submersos a uma cachoeira de “jequice”. E é exatamente o que se pode dizer do diretor; ele consegue ser mais jeca do que o próprio Jeca Tatu. Apresar de tudo é uma boa pessoa, e sempre nos quer bem (colocando-nos em insanas e desastrosas situações).

Hoje mesmo ele chegou ao ápice de toda a sua “jequice”. A nossa escola está sempre por receber ilustres e beneméritos convidados, provenientes dos mais diversos cantos do mundo (isso diz o porquê de nunca varrerem o nosso pátio, pois lá pisaram muitas “celebridades” e, por uma compaixão ou estima a nossa instituição, nos fizeram o favor de pisotear cada canto do lugar). O padre-diretor, todo complacente, conduziu até a nossa classe um grupo de folk-rok da Galícia. Com todo o seu meio metro de barriga, e afagando-a (para o deleite de seus truculentos braços), o padre me expôs a uma das situações mais ordinárias que passei na vida. O grupo de galegos era composto por quatro jovens e atraentes rapazes. Imediatamente, todo o feminismo da sala se aflorou e mais parecia que estavam a receber um espírito de luz em seus ventres. Já não era pra tanto, porque os moços eram tão atípicos aos nossos costumes que mais transparecia que estavam a fazer um mero e simples favor. De repente (e eu já estava estranhando o padre ainda não dar a sua típica demonstração de “jequice”), ele solta: “ E então, quem vai fazer A pergunta?”. Nesse instante eu vi emergir toda a minha vocação nos olhos dos que estavam em volta. Como se fossem peixes fora d’água a beliscarem com as pontas dos lábios algum vulto preso no ar, todos, insidiosamente, gritaram, ou melhor, berraram: “THIAGO, THIAGO, THIAGO!!”. Pavorosa demonstração de afeto. O meu belo e único nome mais parecia um doce mel que saltava dos olhos da virgem posta por cima da lousa. Quando me dei conta vi que todos esperavam por algum suspiro ou gracejo de minha parte, mas não dei o braço a torcer, não fiz a tão esperada pergunta. Mandei todos pro inferno e saí desesperadamente da sala em busca de um psiquiatra (Mentira). Somente abaixei a cabeça e murmurei que não havia de ser feita nenhuma consideração. Nesse momento eu já estava roxo e meu estômago se correndo com o ácido da vergonha. Até que, como uma fuinha sem cérebro, Andréa lança a patética pergunta do fundo da sala (seria melhor ela ter batido a cabeça na parede até que todo o seu sangue saísse pelo nariz): “¿Es la primera vez que visitan a Brasil¿”. Com uma cara de quem está mais perdido do que a Vanusa cantando o hino nacional, o galego do meio balança, simplistamente, a cabeça, num ato de afirmação. Como se já não bastasse todo o festival de frivolidade, o padre ainda me dá uma de íntimo dos rapazes, e começa a “dialogar” com eles em seu dialeto natal, o “jequês”. “Cês tão gostando daqui?”, “Como Cês se sente visitando um país tão bonito como este?”. Durante alguns minutos, ainda presenciei as indecisas caretas do grupo.

Terminado todo o estúpido momento, ao fim da aula, ainda dei uma vasculhada pelos corredores do colégio pra ver se ainda encontrava um rastro dos moços. Mas toda a minha busca foi em vão, pois já deveriam estar de partida a uma hora daquelas, se despedindo do país em algum trecho desse espaçoso céu e a bater as chinelas para não levarem consigo nenhuma partícula de poeira que lhes pusessem em contato com a “jequice”.

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