segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Lascívia







Caminhando por meu abismal bairro, cortejando pombos e urubus a ciscar o lixo, olhei, vi, parei - ou melhor, não parei, mas tive vontade. Estarrecido, vi novamente. Os dois, inflamados que mais pareciam ter ingerido reagentes químicos, e se naquele momento uma simplória faísca anunciasse a sua emersão, todo bairro estaria a baixo. Imediatamente, pulei na moto, e nem mesmo meu capacete impediu que este estranho parecer viesse a matutar em meu crânio. Segui ferido, ferido pelas mãos que não se aguentavam e gritavam a passagem de uma tormenta de sentimentos impulsivos. Fui. Não exitei. Aguardei a hora. E daí, o resto, está transcrito no que virá a seguir. Este casal - não sei se certamente formam um casal, ou apenas estavam experimentando juntos, ao acaso, as peripécias do prazer.


Eis:


Ele a encontra em uma tarde quente de dezembro. Ambos sentem o ensaio de uma explosão sanguínea banhar suas veias. Esse sentido, meio que antiquado, já se tornou real, eles é que ainda não perceberam. Imediatamente ela arroja seu corpo ao dele, acontecendo assim a imersão. Preenchendo seus espaços ao preço de uma escalada louca em desespero para o monte da vertigem, experimentam juntos, comungam juntos, o ápice da discórdia humana. E transubstanciados, transfigurados, eles se convertem a um arsenal de imagens cravadas na retina desse louco frenesi, rechaçada por este ninho de carne banhado por uma estúpida ternura, e dividem entre si lamentações tórridas. E por fim, pousam sobre folhas de boldo lavadas por um céu azul cristal, contemplando, com suas cabeças nas mãos da graça efêmera, os reflexos de um idioma opaco, que a pouco era o mais que perfeito desenho esboçado pela natureza. Agora, acordados das mais profundas entranhas da terra do prazer, voltam a acreditar que descansam em uma ilha de onde não se quer partir.

(Inspirado na canção: Je me Souviens - Lara Fabian)

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