sábado, 14 de abril de 2012

Mais Um

É bem um drama o que vivi, ou vivo (?). Daí minha inclinação por heroínas trágicas e, também, uma forte propensão ao suicídio. Mas, a morte, neste instante, não me atrai em nada. Se a vida já não me basta, a morte muito menos. As convenções que se criaram ao longo do tempo, de nada valem. Às vezes, deitado em meu catre, em noites que se apresentam tão tristes quanto minhas sessões de psicanálise, tenho a impressão de estar morto. De olhos abertos, cravados no simples lustre do alojamento, morro de olhos estarrecidos. Meio que encarando uma platéia atônita, o espetáculo da vida. Mas, isso não vem à nota. Meu objetivo é contar-vos um caso curioso que passei há pouco, e até o presente momento me comove e entristece.

Já sei que, há muito, de nada me agrada a vida. Um transparente e fantasmagórico véu misantrópico se enrola por sobre meu pobre existir. Como disse, nada me surpreende nada, e não acredito que a morte seja uma sapiente alternativa. O que vejo, neste caso, são outros meios de sair deste marasmo. Gostaria de provar e testar de cada coisa um pouco, para, assim, descobrir o que de real me satisfaz. Se me fosse possível, seguiria os passos de Alonso Quijano e me declararia louco, sairia feito o Quixote por entre as veredas dos Pirineus a procura de uma ilha desconhecida. Mas, a loucura é um preço que não estou disposto a pagar. É bem certo que a lógica de nosso insano planeta está direcionada para um tipo de viver sistematizado em valores, tudo o que desejamos fazer é um preço que devemos pagar. Buscaria e faria peripécias por uma nova aventura, ou, se não tivesse solução, viveria novamente.

O ocorrido. Creio que minha deplorável condição de homem não me impede de acreditar em Deus e, também, no Diabo. Muitos acreditam num Senhor supremo e Nele confiam suas angustias e males. Mas, no Diabo, não confiam e não duvidam. Cansado de procurar por Deus e não o encontrar, procurei o Diabo. E, como todo bom homem político, nunca o encontrava. A procura durou uns trinta dias ou uma quarentena inteira, mas ao fim, também, nada! Coitado de mim. Já não era típico, e nem de meu costume, negar ou afirmar a existência de alguma coisa. Vivia por mera questão do viver.

Certa noite, deitado em meu catre no alojamento, ouvi certos ruídos no limiar da porta. Logo, de súbito, apavorei-me com “Ulisses” por sobre o peito. Aproximei-me uns passos da porta e logo avistei pelo olhar mágico um vulto. Pareciam curvas verticais de um sujeito. E eram. O Diabo bateu-me a porta. Mas, caros amigos, em vossas cabeças, vejo, zumbem latidos de inquietação: como descobri que era o Diabo propriamente? Não era preciso descobrir, de logo e repentinamente se apercebia. Via-se em seu semblante um par de olhos humanos, como outro qualquer. Logo, o Diabo quis chá. Fui à cozinha, correndo, e trouxe chá. Após, travamos conversa.

Diabo: O que queres?

Eu: Quero algo a mais. Quero mais que a vida e a morte.

Diabo: Achas mesmo que conseguiria eu, um anjo caído, proporcionar-te certo desejo?

Eu: Sim. Já viveste nos céus e nas fossas. Já viste anjos e já viste querubins; presenciaste o mais pobre e o mais fétido do desejo humano; sabes bem onde se encontra a terrível e pestilenta necrose que aflinge toda a humanidade. Por isso, acho que consegues.

Diabo: Certo. Especifique.

Eu: Com cem mil consigo.

Diabo: Ah, é dinheiro. Suspeitei. Não pedes pouco, não é mesmo?

Eu: Achas?

Diabo: Sim. Por uma alma, sim. Hoje, caro jovem, recebo indiscriminadamente tantas almas que já não me vale à pena pagar por nehnuma outra. Recebo-as inteiramente de graça. É como se caíssem dos céus. Como chuva, entende? Não uso mais desses negócios. Hoje, não negocio mais nada, nem alma.

Eu: Compreendo. (Ar de extrema frustração e desespero. Já sabia que minha alma não valia nada para Deus, e, no exato momento, acabava de descobrir que também não valia nada para o Diabo).

Diabo: Mas, como gostei de ti, simpatizei com tua branca e miúda cara, vou oferecer-te algo. Ofereço-te treze mil. Então?

Eu: E... u... Eu... Aceito!

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