terça-feira, 10 de abril de 2012

Eu, Crime e Castigo


Falar sobre a literatura de Dostoievski é tratar sobre o que há de mais intenso e perturbador que há na alma humana.

É um ótimo ponto de partida para tratar deste livro que, sem exageros, considero o mais genial que já li. Bom, confesso que esse tipo de afirmação é muito reducionista, pois, seguramente, e pondo em relevância meu incipiente contato com a literatura, virão outros livros, outras leituras e outros escritores que se afirmarão mais geniais que este, ou que se equipararão a este. Não é fácil organizar todo o emaranhado psicológico de Crime e Castigo, porque é um livro chocante e, como disse de início, perturbador.

Sempre mantive muito interesse pela literatura russa. São aqueles tipos de leituras que lemos antes mesmo de pegarmos o livro e nos embrenharmos por suas páginas. É uma espécie de leitura do ouvido. Você ouve as pessoas falarem bem, elogiarem os grandes mestres russos por suas habilidades ficcionais e estilísticas, e, de tanto ouvir, você, de certa forma, se familiariza. Mas não é disso que venho tratar precisamente.

Depois de certo tempo, e justamente adquiri o livro por essas boas recomendações que sempre ouvi, resolvi lançar mão à pequena e volumosa edição de bolso que eu já havia comprado há um tempinho.

E pronto, começa a tortura, uma tortura necessária, digamos. Ao longo da leitura, estive em dúvidas se era eu ou Raskolnivov quem realmente sofria de alucinações e perturbações no espírito. Isso me faz crer que o modo como Dostoiévski opera toda a trama, o "jeito" com que ele escrevia, propriamente, torna o livro ainda mais genial. Escavando cada detalhe da alma, ou daquilo que se acredita ser a alma.

Crime e Castigo despertou em mim uma ânsia inaudita, um parto, uma expiação de uma culpa que, nem mesmo, sabia se existia (ou existia somente dentro do universo da narrativa, e acabei transpondo essa complexidade para a realidade. É algo a ser pensado). Essa é, a que considero, toda a habilidade de Dostoiévski. De forma que o leitor, colocando-se no lugar do narrador, acaba por se tornar quem fala sobre a trama, mas não só descreve, enumerando fatos e intercalando acontecimentos, mas quem sente, quem toca e passa. A leitura foi demorada, longa, conflituosa. Passava dias digerindo. Lia dez, vinte, trinta páginas... e sentia a necessidade de abandonar o livro por um tempo. Deixava-o abandonado, nem mesmo conseguia olhar para capa; sentia-me com “depressão pós-parto”, porque cada dezena de páginas que eu lia, era um parto. Mas, logo, voltava com fervor às pequenas páginas. A fluência da narrativa, a difícil digestão... Os diálogos inesquecíveis entre o assassino e o comissário de polícia. O desespero de uma alma e suas pressões externas.

Chego ao fim. Chego ao fim com uma sensação de querer mais sofrimento e mais castigo e mais dor e mais aflição... a idéia que Dostoievski nos transmite ao fim do livro, da possível recuperação e expiação do criminoso é o que me provocou maior inquietação. Um enigma. Crime e Castigo parece-me uma narrativa eterna (ou o é), e continuará, por via de seus leitores que sentiram Raskolnikov dentro de si, a tecer novos pequenos diálogos em suas almas, em suas consciências, materializando em seus cotidianos cada personagem, cada ação e cada ponto de efervescência. De resto, calo-me. Porque é o melhor a ser feito por agora. E é um dos direitos imprescindíveis de um leitor. Mas isso não é porque, ao fim da resenha, pretendo desmistificar alguma coisa, não, quero dizer que, precisamente, esse livro não é um livro de conversas, um livro fácil que nos serve para puxar um assunto e discorrer sobre algum fato corriqueiro. É algo de misterioso.

Mas confesso que sofri junto de Raskolnikov. Ou, na melhor das hipóteses, rachei a cabeça de uma velha.

2 comentários:

  1. Olá Thiago,

    Tudo bem?

    Você conhece a adaptação de Crime e Castigo produzida pela emissora britânica BBC?

    Adquiri recentemente está versão - distribuída no Brasil pela Log On Multimídia - e fiquei impressionada com a qualidade.

    A obra vai além da trama e aprofunda-se na trágica história deste anti-herói, que busca sua essência perdida.

    Vale conferir! Segue o site da distribuídora: www.logon.com.br

    Abs,

    Célia.

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  2. Muito bom o texto, Thiago. Eu comecei esse livro faz tempo, mas ainda não tive coragem para concluí-lo. Talvez eu não esteja num momento adequado para me lançar à essa leitura. Mas, de cara, eu sei que é um livro muito bom.

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