terça-feira, 3 de julho de 2012

A Morte de Ivan Ilitch




Os que sempre visitam este espaço, provavelmente, já perceberam que o tema “morte” muito me intriga, e, certamente, a outros mais. Mas, não sou um aficionado por buscar, em todos os cantos, fatos e evidencias que possam trazer isso à tona, não. A morte sempre se apresenta em minha vida de uma forma ou de outra, e, no mais das vezes, quando menos espero. Manifesta sua indizível face em sonhos, em situações do cotidiano, problemas familiares, perturbações pessoais, enfim.
No momento, venho falar deste livro que há um bom tempo tenho em minha estante, mas, por eventualidades do dia-dia, nunca havia me interessado por travar uma leitura comprometida. Pois bem, o momento sempre chega. E eis que, Tolstoi, apresenta-se de forma arrasadora.
Muito poderá ser dito sobre o livro, no entanto é uma obra relativamente pequena, de poucas páginas, mas acredito que o essencial se dará a partir das considerações de cada leitor em particular, em seus momentos de leitura silenciosa, brigando com o poder inebriante e, ao mesmo tempo, lúcido de Tolstoi, retirados das profundezas de um tormento que parece não ter fim. Chego ao fim do livro cansado, como se eu tivesse morrido com Ivan Ilitch.
Durante a breve e agradabilíssima leitura, tomei Ivan Ilitch como uma espécie de inquisidor da morte. É como se, ao longo do livro, ao acompanharmos seu sofrimento, a decadência de sua saúde, devido a um mal desconhecido, ele mesmo, apontando o dedo à nossa face, dissesse: “É, você, que lê essas míseras páginas, prepare-se, seu dia chegará!” E, acompanhado a isso, sobe-nos uma onda de terror e medo. Medo de morrer, o medo mais antigo do mundo. A morte é algo tão comum como qualquer outro fato do cotidiano. É bem mesmo como nomeei um conto que escrevi há um tempo, a morte é um ‘incidente cotidiano’.  Do que valeu as inquietações de Ivan Ilitch? O desprezo, o ódio pela morte, a revolta frente a um fato consumado, a revelia ao pensar que sua vida poderia ter sido melhor.
Mas quem, ao sofrer de uma terrível doença, ou passar por um momento tenebroso na vida, não se perguntou: “Por quê? O que eu fiz? O que deu errado?”... Sentimos a morte como um salário, uma taxa a quitar com a natureza por nossos anos como viventes, por nossos atos infames, pelas coisas não ditas, pela atitude não salva. Um salário, um aluguel que, cedo ou tarde, o cobrador baterá à nossa porta em busca de recebimento, e pagaremos com aquilo que é de mais caro, a vida. E ninguém, com isenção dos suicidas, quer pagar por isso. Bom, para além da morte, o livro também retrata a vida efêmera e fútil de um funcionário público, inserido numa sociedade aristocrática, em busca de satisfação social e profissional. O casamento, em certo sentido, é visto como algo meramente consensual, uma espécie de contrato, como mesmo o é. Para uma boa aceitação, é preciso casar-se, como bem pensava Ivan Ilitch.
Lembro-me agora de uma citação de Oscar Wilde, que, seguramente, fará um ótimo contraponto a situação vivida pelo pobre Ivan, solitário em sua cama, agonizado por conta de um mal que levava aos poucos sua doce e vívida saúde: “As nossas tragédias são de uma profunda banalidade para os outros”. Parece-me uma bela síntese, e resume muito bem a relação entre o doente e sua família. O único pelo qual Ivan nutria certo grau de empatia, era seu empregado Gerassím, que o auxiliava na busca por uma posição ergonômica que aliviasse e o fizesse sentir com menos intensidade as marteladas da dor. Outra interlocução que também é possível se fazer com este livro, é um fragmento de um conto de Kafka, onde o médico é posto na cama do paciente para que o enfermo encontrasse certa dose de alívio, dizia Kafka: “Alegrai-vos, ó, pacientes, o médico foi posto em vossa cama.” A situação dos médicos e especialistas parece-nos bem similar no caso de Ivan, pois engalfinhavam-se em busca de uma solução ou de uma possível explicação para a desconhecida doença, e, claro, tudo sem um mínimo de sucesso. Afinal, todos os pacientes são iguais, reclamam das mesmas coisas e morrem do mesmo jeito, solitários.
Finalizo aqui esta pequena consideração. É possível dizer que após essa leitura o leitor terá uma experiência bem próxima do sofrimento que, muitas vezes, precede à morte. E, por voltas, terá em sua cabeça, mais pungente que nunca, a terrível certeza da morte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário