terça-feira, 10 de julho de 2012

Despedida


O fato se deu há pouco, talvez uma ou duas semanas, algo me escapa a memória. Tudo pode ser revelado assim mesmo como ocorreu na realidade, ou na realidade de uma ficção, o que seria o mesmo.
Despedimos-nos porque de certa forma nos sentimos eternos. Brincamos de dizer adeus, mas depois nos reencontraremos. Na candente manhã de um domingo, lembro-me de tê-la visto pela última vez de perfil, dentro do vagão. Como se trata de um relato literário, as ênfases não serão poupadas.
- não é a primeira vez que entro no vagão de um trem. Disse-me.
- você foi minha e eu a perdi, se é que alguém pode ter alguém, e alguém pode ser perdido.
Foi então que observei em seu contorno facial uma peculiaridade que li entre os versos da antiga caderneta de poesia épica de minha mãe; Entre os rostos dos rostos encontram-se sempre traços de ouro e suavidade. Seu rosto era permeado de simples e reluzentes traços, uma pequena curva fazia-se presente nos cantos inferiores dos lábios. Nada pode ser esquecido, só mesmo os pormenores.
Nada mais posso me lembrar do que foi dito na estação. Só lembro que desci a plataforma para levá-la ao encontro do primeiro conjunto de vagões a pousar frente à cancela.  Repeti os passos do poeta. Existe apenas um único homem de versos nesta cidade, e tudo o que sei aprendi com ele. Sabia que todo o inesperado me era permitido naquela manhã, por isso Beijei-lhe a boca, comprimindo, suavemente com os meus, a parte inferior de seus lábios. Ela afastou-se, e não mais ensaiou uma aproximação. Compreendi. Para mim, um iconoclasta barroco e misantropo entrando na meia idade, já não se pode exigir muito de uma inocente despedida, aceitei sua condição, adivinhei em seus olhos uma intensidade estranha, e passei a temê-la. 

Sempre é uma palavra que não me é permitida. Lembro-me, por fim, que pronunciei meu pequeno nome em voz paternal. Suas mãos sobre as minhas, deixavam um aroma fresco e uma sensação de conforto. Subiu a breve escada do vagão, sentou-se em seu posto, e partiu.
Quando subi as escadas rumo a meu pequeno quarto na Rua do Vigário, senti que os espelhos da clarabóia refletiam uma imagem estranha. Adentrei na habitação, e senti novamente seu cheiro cítrico. Ao me sentar sobre a cama, com o objetivo de deitar e descansar, pois aquela manhã já havia me proporcionado uma série de demasiadas e repentinas suspensões, olhei fronte ao espelho, e sua presença incrustada revelava uma duplicação ou uma multiplicação espectral da realidade. No quarto escuro, percebi que a areia do tempo escoava entre cristais e fazia-me lembrar de versos que eu procurava esquecer. Senti aumentar o calor, e uma espada corroída pela ferrugem se encarregava de me arrancar os olhos. Subiu por minhas veias uma assustadora vertigem. Não havia espada. Como uma areia na ampulheta secular do tempo, pela última vez, possuí seu amor.  

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