domingo, 1 de janeiro de 2012

Madame Bovary c'est nous


Finalmente consigo aqui postar mais uma resenha. Esta, por sinal, é bem particular, e pelo próprio título já pode se deduzir de qual livro se trata. Exatamente, Madame Bovary.

Bom, finalizei a leitura há uns dias atrás, porém fiquei todo esse tempo pensando a respeito do que escrever, do que dizer sobre essa revolução. Não é bem um exagero, mas Madame Bovary pode ser considerado um livro revolucionário em minha vida. Sabe aquele tipo de leitura em que ao findar a última página, ficamos com o livro por sobre as mãos durante um bom tempo para pensarmos e tentarmos nos recompor? Foi isso o que me ocorreu.

Durante esses dias, andei pela internet procurando algo que abrisse meus caminhos, que amarrasse alguma questão significativa (pois todas são), que pudesse indicar algo de relevante a dizer em relação ao livro. Percebi, por se tratar de um livro centenário, de um clássico, que há inúmeros pareceres e resenhas circulando por aqui. O livro já foi alvo de vários estudos da literatura, da sociologia e, até mesmo, da inquieta psicanálise. Depois, fui percebendo que não devia buscar nada exterior, que se tratando de uma obra como essa, o que devemos fazer é buscar algo de particular, algo que nos tenha comovido (difícil até, pois o livro é um turbilhão de comoções), enfim. Pensei, pensei... E concluí exatamente isso.

Primeiro é preciso olhar para os personagens. Cada um representa o que temos de melhor e pior. É aquele tipo de história, acredito por se tratar do realismo, que não há vilões e nem mocinhas. Cada um representa o que bem somos e como nos portamos na sociedade e nos meios em que circulamos. A ingenuidade de Ema (personagem principal), seus sonhos, seus acessos de loucura e psicose, pode muito bem retratar a todos. É impossível não se identificar com alguma particularidade da vivência de Ema, com algum aspecto ou detalhe de seus comportamentos e exageros.

Não é de hoje que ouço falar de Madame Bovary como um grande clássico da literatura; adaptação cinematográfica; sobre a destreza de Flaubert, sua escrita pontual, o encaixe perfeito de palavras. Agora faz muito sentido, após a leitura, o que Jorge Luis Borges, em um de seus diálogos, disse sobre Flaubert. Segundo Borges, para o escritor Francês, era possível se encontrar no mundo um dicionário perfeito, onde, para cada situação, há uma palavra para se encaixar e definir. E isso fica muito evidente em Madame Bovary. Porque a sutileza vocabular de Flaubert impressiona e encanta. Mas, por outro lado, nada que atrapalhe ou deixe a leitura chata, muito pelo contrário.

Somente após entrar em contato direto com o livro é que podemos saber o que é, realmente, todo o universo de Flaubert. Ainda nos paira múltiplas perguntas pela cabeça. Como um homem em pleno século XIX conseguiu escrever e detalhar tão bem os anseios de uma mulher? Segundo o que andei lendo, Flaubert se inspirou numa paixão que manteve por uma mulher mais velha e casada. Talvez, pelos modos de uma época onde a moral cristã era tão bem preservada (tanto é que o livro e o próprio Flaubert foram alvos de um processo judicial) fez com que o escritor se tornasse sua própria Ema, seus desejos, suas vontades, seus pensamentos castrados pela barreira dos padrões comportamentais. Daí fica evidente que a liberdade de um, depende da liberdade do outro. E essa liberdade é uma possibilidade.

Regressando aos personagens, como já havia dito anteriormente, é impossível não se identificar. Durante todo o livro mantive afeição por Carlos, marido de Ema. Sempre me pareceu um bom homem, educado, sempre disposto a amar e ajudar Ema nos momentos de maiores tensões. Porém, cai, como grande parte dos personagens, na ingenuidade. Apesar de todas as qualidades, Carlos era muito ingênuo, muito "mocinho" para Ema. Ema sempre foi acima de seu tempo e espaço; Ema sabia o que não queria, mas não sabia o que queria. Amantes, viagens para Ruão, a compulsão por comprar, retratando muito bem os exageros femininos cometidos por grande parte das mulheres contemporâneas. Além de tudo, Ema também se torna ingênua ao longo da história. Não fica bastante explicito na obra, mas é perceptível que Ema sofre de algum distúrbio mental, de ordem psicológica (daí surge o interesse da psicanálise por sobre a obra, inaugurando até uma nova patologia para Ema, o bovarismo), tanto é que podemos ratificar essa questão no momento em que, não encontrando nenhuma alternativa para os problemas dos quais se afundou,a anti-heroína decide pelo suicídio (um dos momentos mais fortes da história). Seus acessos, seus sonhos exacerbados; Ema possuía uma grande dificuldade de relacionar seus sonhos e desejos com a realidade em que vivia.

E por fim, a característica que mais me aproximou de Ema. Pois eu também vivo numa província. O quão difícil é por em ordem nossos desejos por conta de um lugar pequeno. Pensar de acordo com os padrões estabelecidos, e não ter alternativa ou perspectivas de mudanças...

Ainda sigo na luta para encontrar o DVD da adaptação cinematográfica de Madame Bovary, mesmo que seja para download. Não vou desistir.

E como é de tradição, segue abaixo alguns trechos do livro, que se tornaram significativos para mim.

“Um homem não devia, ao contrário, primar em múltiplas atividades, saber iniciar a mulher nos embates da paixão, nos requintes da vida, enfim, em todos os mistérios? Mas aquele não ensinava, nada sabia, nada desejava. Supunha-se feliz; e ela não lhe podia perdoar aquela tranqüilidade tão bem assente, aquela gravidade serena, nem a própria felicidade que ele dava.”

“Ela não podia acreditar que as coisas pudessem surgir sempre iguais em lugares diferentes; e, uma vez que a parte já vivida fora má, tinha esperanças de que a que lhe restava viver havia de ser melhor.”

“Quanto a Ema, não se interrogava para saber se o amava. O amor, no seu entender, devia surgir de repente, com ruídos e fulgurações, tempestade dos céus que cai sobre a vida e a revolve, arranca as vontades como folhas e arrebata para o abismo do coração inteiro.”

“O dia seguinte foi para Ema um dia sombrio. Tudo lhe parecia envolto em uma negra atmosfera que pairava confusamente sobre as coisas, como o bento de inverno nos castelos abandonados. Era o devaneio do que não voltaria mais, a lassidão que nos toma depois de cada fato consumado, a dor, enfim, que nos traz a interrupção de todo o movimento habitual, a cessação brusca duma vibração prolongada.”


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