quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Parecer

Pisco, 02 de Agosto de 1968.

Lembrarás disto. Certa noite, quando estávamos em uma de nossas observâncias, perguntaste-me por que causa ou razão eu mantinha tamanha tristeza. Pois bem, com esta carta, creio, conseguirei responder esta interpelação que há tanto me corrói.

Há muito tempo, não me deixam (e me repreendem por isso) ser triste. Parece-me que é um ato de heresia ser triste num mundo onde reina uma felicidade mais-que-imperfeita. Todos se dizem felizes, todos dizem que a felicidade é saudável, e faz até bem para o coração. Para o grande público isso parece muito óbvio, mas para mim não. Para mim há um grande e extenso “porém” a ser tracejado em meio a esta felicidade premeditada e falseada proclamada pelo ditirambo da alegria. Neste mundo onde, a cada minuto, descemos um degrau na escala do desespero, estamos todos, realmente, muito felizes por estarmos na plena e completa desgraça. O que quero, afinal, é meu velho e esmerado direito de ser triste, de viver minha tristeza; assim como a lua cheia vive a noite, como o contraste do brilho do sol permeia todo o céu azul celeste. Oh, magníficos senhores do engenho das formalidades, devolvam-me o direito de ser triste, de saborear minha tristeza, por favor! É certo que, nos dias de hoje, mais vale uma desgraça que uma alegria alheia. Estamos todos como cães farejadores prontos a esticar o focinho por cima das tristezas dos outros. Ninguém se dá conta que, bem ou mal, possa haver pessoas que gostem de manter suas tristezas inalteradas. Sintam suas tristezas! Ninguém mais sabe lidar com as eventualidades do mundo por causa, justamente, dessa falsa felicidade que nos insiste bater à porta. Eu sou triste, e não faço nada demais por ser assim. Isto sim é virtude. Ser triste é ser virtuoso. Porque a tristeza é uma das mais autênticas (ou se não é a mais autentica) condições do ser humano. É o que aguça, no mais alto grau, nosso paladar. Não quero maquilar minha tristeza, quero vive-la, como já disse. Quando estou triste esqueço-me dos movimentos, até mesmo esqueço que respiro. Não encare como um tipo de escapismo, pois não quero fugir da realidade, muito pelo contrário, estou sedento por experimentar o doce e amargo sabor dessa tristeza. E já esclareço por aqui de uma só fez que não desejo conselhos “interessados” sobre a “arte do viver”.

Possivelmente, não concordarás com, absolutamente, nada que vos escrevo, mas esse é meu direito, e, acima de qualquer outra coisa mundana, meu DEVER. E quando eu aprender a viver intensamente minha tristeza, saberei ser, autenticamente, feliz. É essa a felicidade que tanto digo, e só a tristeza é capaz de proporcionar.

Por mais, se faz necessário uma pequena distinção. Não confunda tristeza com sofrimento. Essa tristeza que proclamo não está, em nenhum aspecto de sua existência, ligada ao sofrimento e, por conseguinte, também, a depressão. O sofrimento e a depressão são causados por nossas relações terrenas, pelo apego que cultuamos a todo instante, seja por pessoas ou bens materiais. A tristeza, que vos falo, é causada, pura e simplesmente por vontade de se estar consigo mesmo. É uma espécie de desapego às coisas exteriores e um apego a nós. Dizem que só existimos em função dos outros. Ledo engano. Eu existo em função de mim mesmo. Por acaso, deixe de comer ou beber para ver esse desastre. Deixe de dormir, deixe de ir ao sanitário toda vez que seus esfíncteres não mais segurarem os dejetos que estão a sanear teu corpo. Morrerás, nada mais que isso, morrerás! Ou, que seja o caso, ficarás enfermo e entrevado em algum catre esquecido do resto do mundo. Ou proste-te em frente ao Grande Templo a pedir esmolas, e veja, ao fim do dia, o quanto ofereceram-te. Estes são os outros pelos quais tu vives? Estes homens só desejam tuas vísceras. Nada mais. E basta cairmos em tuas lábias para nos entregarmos a seus encantos e nos apegarmos infinitamente.

E findo aqui este breve diálogo com uma simples citação de nosso “Grande Mestre”:

“A vossa alegria é a vossa tristeza mascarada. E o mesmo poço que sai o vosso sorriso esteve muitas vezes em lágrimas.”

E como poderá ser de outra maneira?



Com estima,

T. S.

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