quinta-feira, 2 de junho de 2011

Ser perdigueiro



Hoje resolvi tirar a vergonha de campo e me assumir. Nada relacionado a orientação sexual ou coisa do gênero, mas sim me declarar como um homem perdigueiro. Não sei muito bem o motivo pelo qual o consenso comum decidiu apelidar pessoas como eu com esse nome. E nem me dei ao trabalho de ir consultar um dicionário etimológico para saber quais combinações significativas tal palavra contém. Só chego à conclusão de que posso sim me parecer com um cachorro.
Certa vez, me disseram que sou muito de aceitar as coisas numa boa e, na grande maioria das vezes, abaixar a cabeça para o que as pessoas dizem. Pois sim, claro! Sou desse tipo mesmo! Mas, como em tudo há um porém, esta minha característica também está provida dessa inquieta conjunção. Sou de aceitar as coisas sim, mas sempre com a pulga atrás das orelhas; sempre resiste dentro de mim, mesmo que esfarrapada e ultrajada, uma ponta de desconfiança, uma ponta não, uma rica extensão de desconfiança! A minha fé e crença nas pessoas é muito casta para ser posta em evidência desse jeito, por isso tem de vir sempre disfarçada. Se caso ela vier, assim, à tona de uma maneira explosiva e drástica, pode correr o risco de se perder e se tornar supérflua, ser corrompida como a grande maioria dos sentimentos humanos já corrompidos. A minha confiança é incorruptível. Só se corrompe por minhas próprias dúvidas, e, mesmo assim, antes de passar por uma árdua e dura fiscalização, esmiuçando em detalhes os fatos de toda a situação.
Ser perdigueiro é ser cachorro. Cachorro perdigueiro, do qual possui um olfato invejável por qualquer outra raça canina; possui a cabeça inclinada que, mesmo nas horas de choro e desapontamento, se mantêm em posição ereta! A docilidade, o medo de ferir o outro é eterno, pois contamos, além de um sentimentalismo CARO, uma inteligência insubestimável. Pêlos que nos protegem de qualquer dito: “vou ali e já volto”, ou “não estou bem hoje, não serei boa companhia”. Isso nos faz com que a nossa couraça não se resfrie por qualquer desculpinha tosca, queremos nossos (as) companheiros (as) ao nosso lado a qualquer custo, lealdade sempre, lealdade por quem nos escolheu e comprou em meio a uma gralha de cães choramingando por um dono; o olhar perdigueiro não confunde e nem estranha, é reconhecido como o bem querer, doces amêndoas prontas para serem devoradas por uma avalanche de solidão. A sutileza de nossos gestos e atos nos dá um tom de leveza que espanta a qualquer perito. O crime não nos atordoa. Vivemos em conflito com as certezas e as desesperanças, sempre procurando conciliá-las, fazendo que se tornem boas amigas, quem sabe? Somo protetores, super! Possuímos dentes, dentes que são capazes de mastigar até o invisível. E a única coisa que nos faz rolar e fingir de mortos são os aparelhos telefônicos; seja por mensagem de texto, voz, uma simples ou complexa ligação, jamais largamos o osso! A nossa mente é cela. É corrente. É relicário que guarda com extrema cautela a imagem do outro, a imagem de quem jamais será depreciado, a não ser por alguma desventura (vulgo ciúme). E já que o termo ciúme rolou por estas linhas, não poderia deixar de esquecê-lo. É ciúme sim, sentimos ciúmes! Muitos e muitos ciúmeS! Não nos envergonhamos de querer, querer e querer é assim que se resume nossa possessividade. Pior que querer é não querer. E queremos mesmo! Com muito desregramento e sem pudor. Queremos que chegamos a ter uma convulsão de querer. Em muitos casos queremos, mas não temos, veja a diferença. Ter não se resume em querer. Às vezes temos e não queremos, às vezes queremos e não temos. Então, no meu caso, eu só quero!!! E se eu tiver, vou continuar a querer, sempre! Sempre mais cuidado, mais carinho, mais desconfiança...
Enfim, pareço um espectro dionisíaco demasiadamente embriagado grafando estas linhas, mas eu só posso ser perdigueiro, e me faz um santo bem declarar isso, por mais que muitos achem loucura ou compulsividade. Há uma diferença clara entre um e outro. Mas notemos que, em muitas das vezes, a vida só se salva por um impulso. Por exemplo, o feto, quando sai do ventre, chega ao mundo por impulsos, e vai, até o fim de seus dias, impulsionando aquilo que chamamos de “máquina da vida”.

Um comentário:

  1. Sua literatura é pomposa. Palavras bonitas, vocabulário abastado!
    Gostei muito dessa idéia de que a vida só se salva por impulso. Gostei muito mesmo! Parabéns!!!

    ResponderExcluir