Numa
manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Thiago Leite deu por si
agachado ao chão como um animal imundo, como se esperasse algum sinal de
estupefação para saltar-lhe à garganta. O horror disse, pela primeira
vez, "aqui estou", quando avistou, pelo vidro da janela, vultos que
pareciam de gente, que saltavam para o vazio como se tivessem acabado de
escolher uma morte. Agora o horror aparecia
a cada instante ao remover-se, ao olhar para a branca parede e uma
chapa de alumínio retorcida que estava a cobrir a entrada para o sótão.
Viu refletida uma cabeça irreconhecível, um braço, uma perna, um abdómen
desfeito, um tórax espalmado. Apertou bem as pálpebras para ver se os
olhos impedissem que tamanho horror lhe entrasse pela mente. Sepultados
debaixo de sua cama, sob montes de areia, viu cadáveres em ponto inicial
de putrefação. Sentiu em sua boca uma ânsia, e vomitou cinzas, como se
de lixo se tratasse. Que tenha conseguido suportar a repugnância que
estas horas provavelmente lhe causaram, não pediu nada, não rogou a seus
anjos da guarda, nem passou ao ateísmo. Não perdeu a razão, mas soube
que se há um mundo, é só um mundo, e é esse o nome que lhe ensinaram a
dar, a esta pertinaz e corrosiva câmara de produzir mortos, como ficou
demonstrado e desgraçadamente continuará a demonstrar-se. Sentiu-se
terrivelmente igual a todos os seres humanos onde quer que estejam e
seja qual for o credo, intoxicado por esse pensamento, uma heresia,
compreendeu que da besta o próprio homem acabou por fazer do homem uma
besta.
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